
Ao falarmos sobre ontologia e teleologia, falamos daquilo que talvez seja o pensamento mais comum do homem contemporâneo: de onde vim e por que estou no mundo. O problema da origem e do fim das coisas parece ser uma questão capital para o ser humano. Acredita-se, comumente, que descobrir sua "identidade" para "bem-viver" refere-se a descobrir a nossa Origem e o nosso Fim. Estas palavras iniciam em maiúsculas por parecer tratar-se de uma busca por um início e por uma finalidade absolutos.
Essa forma de viver no mundo é herança, penso, do cristianismo. Para os cristãos, nossa Origem é o deus do Pentateuco, o deus dos judeus. Ele é a própria Origem, ele é o Ser. E é dele que provêm todos os demais seres. Sem entrar em detalhes, a questão é que, com história da encarnação do deus em Cristo na "plenitude dos tempos", a vida ganha também um Fim: voltar ao deus criador. Essa volta dar-se-ia através do Cristo, que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Como ele é o próprio deus encarnado, somente ele, claro, teria o poder de indicar aos seres a maneira de retornar à antiga comunhão perdida com o Ser.
Isso nos leva a uma primeira consequência: o homem ocidental, imensamente influenciado - eu diria, com alguma ousadia, criado - pelo cristianismo, possui a vida de certa forma destinada a um fim certo. Ainda que ele não queira voltar para seu criador, a promessa de que um dia o próprio criador o chamará de volta a si põe um termo radical a essa vida. O homem sente que, um dia, tudo chegará a um ponto extremo de término, assim como houve um ponto extremo de início, quando seu deus chamou todas as coisas à existência.
A segunda consequência disso é a que se segue: com essa consciência escatológica - isto é, de que existe um fim extremo de tudo - o homem anda cada vez mais angustiado em fazer e ter o máximo "antes de morrer". Como se o sentido da vida fosse, paradoxalmente, a morte. Vive-se sempre com a perspectiva da morte a assombrar. Como nossa vida está, segundo Kant, determinada pelas categorias de espaço e tempo - somente nessa condição pode haver a matéria - é o tempo que está a nos ameaçar com a proximidade da morte.
É interessante notar que a associação do deus Cronos (Κρόνος) com o tempo (χρόνος) é uma forma de interpretação. Como o deus era aquele que, segundo a mitologia grega, devorava os próprios filhos, o sentimento humano de ser devorado pelo tempo, que o dá vida, unido à muito sutil diferença fonética (na palavra tempo há uma aspiração na consoante inicial, inexistente no nome do deus) levou à união dos dois numa só personificação:
Por um simples jogo de palavras, por uma espécie de homonímia forçada, Crono foi identificado muitas vezes com o Tempo personificado, já que, em grego, Xρόνος (Khrónos) é o tempo. Se, na realidade, Krónos, Crono, nada tem a ver etimologicamente com Khrónos, o Tempo, semanticamente a identificação, de certa forma, é válida: Crono devora, ao mesmo tempo que gera (...). (BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 2009, 21. ed., vol. 1, p. 208)
No entantanto, a concepção clássica grega de mundo parece ser cíclica, apesar de teleológica. Em Fédon, diálogo do momento extremo de Sócrates antes de se suicidar, Platão procura demonstrar que a vida provém da morte e vice-versa, coisa que já tinha dito em A República.
Eu digo, de um lado, dormir, do outro, velar e que do dormir nasce o velar e do velar nasce o dormir, sendo os respectivos vir-a-ser, dum lado, adormecer, do outro, despertar. (...) Não afirmas, dum lado, que estar morto é o contrário de estar vivo? (...) E, de outro lado, que um estado provém do outro? (...) Portanto, Cebes, é dos mortos que vêm-a-ser as pessoas e os outros seres viventes (...). Estamos, pois, de acordo também nisto: os vivos provêm dos mortos tanto quanto os mortos dos vivos. Sendo assim, era da nossa opinião que isso era prova de certo modo suficente de existrem as almas dos mortos necessariamente nalgum lugar, donde, precisamente, tornam a nascer. (...) Se não contrapusermos sempre um vir-a-ser a outro, como numa roda a girar, se houver um vir-a-ser retilíneo, só dum estado ao seu oposto, sem inverter dali para o anterior, sem meia-volta, sabes que tudo, por fim, manteria uma figura única, tudo sofreria a mesma sorte e cessaria o vir-a-ser. (PLATÃO. Fédon. In: Diálogos. São Paulo: Cultrix, 9. ed. pp. 154 e 155)
Em suma: para os cristãos, no momento do início, não há nada precedente. O homem é criado do nada e segue, linearmente, em direção a um fim. Para a consciência platônica, a existência é uma roda que gira: num momento, seu cume está no mundo, no outro, no Hades. No entanto, para ambos parece pacífico que haja um Ser, uma Essência, que se personifica de diferentes formas. Para os cristãos, deus é "o alfa e o ômega, o início e o fim", e disso tiramos a conclusão que, com a exceção do deus, todas as coisas estão sob o signo da temporalidade. Para Platão, ao contrário, o demiurgo é somente um ser que move o mundo, o "motor imóvel", de forma que, uma vez posta a girar, essa roda da existência não cessará seu movimento.
É por essa razão que, em Platão, o homem pode reconhecer, nos diferentes tipos de coisas, uma unidade ideal. É que a alma humana, tendo já habitado o mundo dos mortos, teve contato com a Ideia, aquilo que possui a Essência das coisas do mundo dos vivos: "(...) nossa instrução não passa de reminiscência e, portanto, sem dúvida, necessariamente aprendemos numa época anterior aquilo que lembramos no presente" (Idem, p. 156).
Pensando na máxima de Lavoisier, "Dans la nature, rien ne se perd, rien ne se crée, tout se transforme" - herdada, aliás, dos gregos - parece que as coisas no mundo continuam no mundo, de uma forma ou de outra. Se há alma imortal, essa deveria ser a última preocupação do homem. O homem, isso sim, deveria se lembrar de que veio do mundo, está no mundo e permanecerá no mundo. A vida não parece ter uma outra finalidade, mais simples e mais óbvia, que a de ser vivenciada.